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terça-feira, maio 31, 2005

Conto.

A número um.

Quinze revistas em quadrinhos ele tem para vender. Não tinha ido a nenhum sebo para oferecer, se lembrava que tinha um no edifício no centro da capital que em uma das vezes que fora ao alfaiate entregar o corte de uma fazenda de tergal belíssima para ser feita uma calça com bolso faca e um bolsinho perto da cintura, próprio para guardar as moedinhas que lhe eram dadas como troco.
O tecido na cor bege, havia sido comprado em Lavras interior do estado, de um caixeiro viajante que vendia desde bijuterias femininas até o próprio burrico que transportava as mercadorias. Logo que foi passando o caixeiro emparelhado com o animal, notara o interesse do homem que o observava desde que virara a esquina da entrada da cidade.
O homem olhou atentamente as mercadorias e percebeu um tecido muito bonito ao qual ele imaginou daria uma bela calça. O burrico resfolegante pedia água, o peso em seu lombo arqueava suas costas.
O homem pechinchava e o caixeiro dizia que pano igual aquele que viera da Turquia só encontraria nos grande magazines e a preço bem maior.
De volta a capital, ele procurou saber onde achar um bom alfaiate para fazer a calça que ele imaginava ficar boa com aquele tecido.
No sebo, um homem de óculos redondo que pendia na ponta do nariz, atendia duas moças.
Ele fora pegar a calça já pronta; aproveitou a oportunidade e levou seus gibis para vender no sebo.
A loja entulhada de livros, do chão até o teto tinha um cheio acre enjoativo do bolor que dominava o ambiente. Denunciava a predominância de papéis muito velhos e deixados ali por muito tempo. O dono do sebo olhara por cima dos óculos o moço que entrara em sua loja e com movimentos repetitivos tanto coçava o nariz quanto alisava sua espessa barba grisalha, não tinha bigode, deu informações a uma das moças e elas foram embora, passos apertados, cabeça baixa e braços cruzados no peito a segurar uma bolsa.
O chão estava limpo e o balcão lotado de livros esparramados por toda sua extensão indicava que a poeira provavelmente se espalhava por todas as prateleiras mais altas nos cantos da loja. Cestos com revistas antigas pelo chão; o homem pigarreava ao fundo loja, nem se dera ao trabalho de vir atender o cliente em potencial, continuava a olhar suas prateleiras de longe parecia procurar algo; levava o braço constantemente atrás para com a mão coçar a parte superior ombro. O pó que despregava dos livros poderia estar causando aquela alergia.
Chegando mais perto e pedindo atenção ao dono do sebo, mostra-lhe os gibis, sem muito interesse ele olha rapidamente e de imediato diz: dez cruzeiros!
Livros clássicos de autores nacionais e estrangeiros ocupam as prateleiras. Livros de capa dura, capa mole, meio rasgadas e quase totalmente rasgadas. Edições bem conservadas e coleções completas uma ao lado da outra como em uma biblioteca convencional. Livros escolares já ultrapassados, na prateleira perto do teto um antigo mapa mundi ameaça despencar. Atlas geográficos num cesto perto da porta. Noutro cesto vários rolos de papéis, pareciam mapas de diversas espécies.
Com muita decepção entrega os gibis e pega as notas enfia no bolso da frente, passa a mão na cabeça e logo em seguida arrepende-se, pois suas mãos sujas de poeira dos livros agora empastam seus cabelos tornando-os um pouco pegajosos.
Gibis por todos os lados e agora os, antes seus, faziam parte da desordem da loja. Um canto ainda não fora esmiuçado pelo olhar do homem que agora só segurava debaixo do braço um embrulho com a calça pronta.
A barba do homem já está marrom de tanto que ele passa as mãos sujas de poeira.
Desde pequeno sempre gostou de gibis estava se desfazendo de alguns naquele momento porque ele gostava de fazer coleções seguidas e aqueles faziam parte de quadrinhos que não tinham uma seqüência. Seus olhos se fixam em uma revistinha, um brilho no olhar uma salivação inesperada, uma gota suor que é limpa as pressas com um lenço de bolso. Pouco conservada, mas totalmente inteira ele pega a revista e desesperadamente lê rabiscado na capa dela pelo antigo dono ? comprada por 2 cruzeiros ? ele vê o preço de capa e lá impresso o preço original ? 50 centavos de cruzeiro ? é a inflação, ele logo deduz e também que aquele exemplar já estava na mão de um terceiro dono: a loja de sebos.
Ao fundo o dono olha de viés de olho o rapaz que ainda está na loja.
_ Quanto custa? Com a voz quase embargada, ligeiramente disfarçada. O homem desatento e sem fitar os olhos do outro para ver o desejo de possuir o exemplar, olhando por cima da armação dos óculos diz distraidamente: sete cruzeiros.
A felicidade de poder ter o primeiro exemplar do gibi do ?Homem Muriçoca?, toma conta do homem com o embrulho embaixo do braço ? essa é a primeira edição ?a número um?. Ele paga sai da loja, como é bom respirar um ar poluído de gente, não de livros ? pensa o homem ? que agora está satisfeito, conseguira uma façanha: ser um dos poucos que tem a primeira revista do Homem Muriçoca, esta é uma edição para colecionadores. A pé, depois de ônibus e finalmente em casa; o embrulho da calça é jogado de lado no sofá, na cama com o corpo cansado ele adormece seu último pensamento é: 100 cruzeiros! E ele adormece agarrado ao Homem Muriçoca.

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