Pages

Ads 468x60px

quarta-feira, julho 27, 2005

Trem.

Aquele apito familiar, soou bem de longe e familiarmente identifiquei, era o trem.
Sempre quando eu ia pra escola, de manhã bem cedo escutava o apito do trem era por volta de seis horas da manhã e todos os dias nesse mesmo horário o trem apitava, eu às vezes me perguntava por quê? Mas com o passar dos minutos a interrogação ia passando, tinha que me arrumar para ir a escola, tomava café bem rápido e corria, sempre gostei de chegar com folga no horário.

Nesta época os trens já começavam a circular com menos intensidade, a malha ferroviária já sucateada, preservava poucos trajetos para passageiros e alguns outros de carga. Um desses de carga é que era próximo lá de casa, mas um próximo meio longe para se chegar à linha do trem, gastava-se trinta minutos a pé. Lembro vagamente de ir perto da subestação ferroviária com minha mãe, algumas vezes passávamos por lá para ir a outro lugar, outras visitávamos uma pessoa que não me lembro mais quem era, suponho que fosse uma amiga de mamãe.

Era curioso, perto da subestação de trem, ao longo de uma rua paralela o que se via eram casas de madeira todas idênticas umas as outras, disposição das madeiras e tábuas no mesmo sentido, degraus da porta de entrada, espaços que as separavam, terreno todo demarcadinho, sem muros, sem cercas. Diferente era a pintura; umas tinham, outras não, a maioria era descuidada a madeira já sem trato nenhum, tinha um aspecto de lascada era o resultado de sol, chuva e o tempo, já eram bem velhas.

Minha mãe dizia que eram casas fabricadas pela rede ferroviária e ficavam a disposição de seus funcionários. Alguns eram de beagá e outros que vinham de outros estados disporiam de um lugar para se alojar caso fosse necessário. Passei muitas vezes por essa rua e o curioso era como o tempo foi cruel, na medida que ele passava as casas iam sendo degradadas pelo tempo ou por seus moradores. Mais curioso ainda era a localização das casas, elas ficavam de um lado só da rua ou seja acompanhavam o trajeto da linha do trem que ficava atrás delas. Do outro lado da rua todas as casas eram de alvenaria com alpendres, varandas, em algum detalhe uma já diferia da outra, não tinham muros somente cercas.

O apito tocava acho que de seis em seis horas, sempre sabia que horas eram por causa desse sinal. Por nunca ter presenciado aquele apito, eu não soube se ele vinha do trem ou da subestação. Não importava, era o trem que estava passando, pesado, grande; quando ele passava, eu ficava contando quantos vagões tinha aquela composição, os vagões mais engraçados eram os que transportavam cimento. Por que eu sabia que era cimento? Hora estava escrito cauê nos vagões! Eu pensava que sim, acreditava que era verdade, mas hoje eu não sei se era de fato que eles transportavam cimento.

Eram vagões engraçados tinham uma forma cilíndrica, mas a parte superior do meio tinha a forma da ponta de um triângulo invertido.
Eram vagões de vários formatos, cada um carregava uma coisa diferente, eu nunca me perguntava onde estava o ?motorista?, ao ver aquele monstrengo de ferro, o que menos importava era quem estava guiando, o espetáculo era a força bruta daquele gigante de aço.

O único ?motorista? de trem que conheci pessoalmente em toda minha vida foi o ?tenente? esse era o apelido dele, quando o conheci ele já estava aposentado, o nome dele não sabia, já era velho. Nesta época os empregados em determinadas funções da rede ferroviária aposentavam-se cedo o ?tenente? devia ter uns quarenta anos e pra uma criança de dez anos ele já era muito velho.

Nas vezes em que viajei de trem, o espetáculo era a fragilidade dos outros do lado de fora do trem, por onde ele passava as pessoas paradas olhando e eu era o forte dentro do potente de aço. No trajeto que cortava a mata, a natureza obrigada a dar passagem, sem revolta nenhuma nos presenteava com o ar puro, as paisagens exuberantes, as cascatas, cachoeiras, penhascos de pura rocha e outros de puro verde, túneis...

Domingo o apito do trem tocou de manhã, já não eram mais seis horas, devia ser sete, não sei donde veio o apito, pois já alguns anos não moro na casa onde nasci e cresci e também não sei em que direção está a linha do trem, acho que seja a mesma linha passando em um local que desconheço a proximidade da minha casa.

As velhas lembranças emergiram no meu pensamento, as caminhadas com mamãe, as casas de madeira de um lado só da rua, as poucas viagens de trem pelo interior de minas... o velho dragão de aço jazia adormecido em minha mente até domingo passado quando ouvi seu apito e até lembrei o nome do antigo maquinista que conheci, Cinésio, este realmente ficou só na lembrança, pois já morreu, assim como as casinhas de madeira que deixaram de existir.
Resta a linha do trem que passa com menos freqüência, mas ninguém mais se interessa por isso.

Dica pra ouvir: Heitor Villa-Lobos - "Tocata (O Trenzinho do Caipira)" da "Bachianas Brasileiras nº 2"

Postado no Weblogger

Comenta aqui:(10)

0 comentários: